E às
vezes, sem saberes porquê, tudo se desfaz por entre os dedos e assistes atónita
e impotente à perda irrecuperável do teu amor: ele desfaz-se em gritos,
insultos e estalos, tudo se perde no ar que fica pesado como chumbo e,
mergulhada na prostração do absurdo, percebes que está tudo perdido, que as
palavras e os gestos te atraiçoaram para sempre, que preferes morrer a
enfrentar a realidade por ti criada, alimentada pelos teus medos e dúvidas,
percebes que te fodeste para sempre, que nunca mais poderás recuperar tudo o
que construíste, os sonhos estatelaram-se como copos que atiras-te à parede e
se desfizeram em mil cacos e de repente vês a tua vida em infinitos fragmentos
de vidro iguais a nada, piores que nada, porque o nada é branco e tem um
princípio e um sentido mas desaparece quando percebes o que te aconteceu e os
vidros ficam ali no chão, à espera de te apanharem num movimento menos prudente
e então vais buscar uma vassoura daquelas pequenas que parecem de brincar e uma
pá a condizer e tentas apanhar os fragmentos infinitos e varres com cuidado mas
totalmente absorta da atividade que executas como um autómato contrariado que
de repente toma consciência de que o puseram e executar uma tarefa abaixo da
sua expertie, mas mesmo assim varres
tudo, sabendo que atrás da porta, ou junto ao rodapé, ou estranhamente a mais
de três metros, há um que te vai cortar mesmo o pé e, por mais que não queiras,
por mais que fujas, vais mesmo sofrer.
Ou então, depois da batida da porta que te ecoa
no cérebro como uma bomba-relógio com a contagem ao contrário, vais mesmo ao
armário e retiras de lá todos os copos, um a um atira-los contra a parede, o
movimento do teu braço é como o de um atleta das olimpíadas a lançar o dardo,
apetece-te furar o mundo em mil buracos, o efeito aplástico do vidro é
admiravelmente acompanhado por um ruído estridente, um estertor de uma morte
que não consegues realizar, a banda sonora perfeita para a tua alma, ou aquela merda que carregas ao peito e que te
alimenta ao mesmo tempo que te mata, toda partida, rebentada, desfeita e mil
pedaços de memórias que não queres esquecer mas não podes lembrar e é então,
quando o chão de madeira parece um tapete de faquir em fase embrionária que
percebes que não és nenhum atleta, que não podes voltar atrás, rebobinar o
filme e evitar a conversa, os insultos, os gritos, os gestos desmedidos e
absurdos, os maltratos de quem ama de mais e não sabe viver de outra maneira e
é então que te perguntas porquê.
E os dias passam, comendo a luz que te dói nos
olhos e na alma e vêm as noites, e o tempo continua a perseguir-te com o vazio
de um dia igual ao outro e ao outro e tu só queres desistir, dormir, perder o
juízo e a lucidez e voltar ao momento exatamente anterior à dor, ao vazio e à
tristeza, mas é sempre tarde, é sempre demasiado tarde para voltar atrás.
Só o mundo é que anda ao contrário dos ponteiros
do relógio.
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