segunda-feira, 2 de julho de 2012

Andar ao contrário


E  às vezes, sem saberes porquê, tudo se desfaz por entre os dedos e assistes atónita e impotente à perda irrecuperável do teu amor: ele desfaz-se em gritos, insultos e estalos, tudo se perde no ar que fica pesado como chumbo e, mergulhada na prostração do absurdo, percebes que está tudo perdido, que as palavras e os gestos te atraiçoaram para sempre, que preferes morrer a enfrentar a realidade por ti criada, alimentada pelos teus medos e dúvidas, percebes que te fodeste para sempre, que nunca mais poderás recuperar tudo o que construíste, os sonhos estatelaram-se como copos que atiras-te à parede e se desfizeram em mil cacos e de repente vês a tua vida em infinitos fragmentos de vidro iguais a nada, piores que nada, porque o nada é branco e tem um princípio e um sentido mas desaparece quando percebes o que te aconteceu e os vidros ficam ali no chão, à espera de te apanharem num movimento menos prudente e então vais buscar uma vassoura daquelas pequenas que parecem de brincar e uma pá a condizer e tentas apanhar os fragmentos infinitos e varres com cuidado mas totalmente absorta da atividade que executas como um autómato contrariado que de repente toma consciência de que o puseram e executar uma tarefa abaixo da sua expertie, mas mesmo assim varres tudo, sabendo que atrás da porta, ou junto ao rodapé, ou estranhamente a mais de três metros, há um que te vai cortar mesmo o pé e, por mais que não queiras, por mais que fujas, vais mesmo sofrer.
Ou então, depois da batida da porta que te ecoa no cérebro como uma bomba-relógio com a contagem ao contrário, vais mesmo ao armário e retiras de lá todos os copos, um a um atira-los contra a parede, o movimento do teu braço é como o de um atleta das olimpíadas a lançar o dardo, apetece-te furar o mundo em mil buracos, o efeito aplástico do vidro é admiravelmente acompanhado por um ruído estridente, um estertor de uma morte que não consegues realizar, a banda sonora perfeita para a tua alma, ou aquela merda que carregas ao peito e que te alimenta ao mesmo tempo que te mata, toda partida, rebentada, desfeita e mil pedaços de memórias que não queres esquecer mas não podes lembrar e é então, quando o chão de madeira parece um tapete de faquir em fase embrionária que percebes que não és nenhum atleta, que não podes voltar atrás, rebobinar o filme e evitar a conversa, os insultos, os gritos, os gestos desmedidos e absurdos, os maltratos de quem ama de mais e não sabe viver de outra maneira e é então que te perguntas porquê.
E os dias passam, comendo a luz que te dói nos olhos e na alma e vêm as noites, e o tempo continua a perseguir-te com o vazio de um dia igual ao outro e ao outro e tu só queres desistir, dormir, perder o juízo e a lucidez e voltar ao momento exatamente anterior à dor, ao vazio e à tristeza, mas é sempre tarde, é sempre demasiado tarde para voltar atrás.
Só o mundo é que anda ao contrário dos ponteiros do relógio.

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