domingo, 8 de julho de 2012


Cheguei a conclusão de que nenhum homem quer magoar uma mulher, olham-nos com um misto de medo, admiração e incompreensão e se poderem, constroem um pedestal e uma escada para nós mulheres subirmos, mesmo que seja por escassas semanas. O que dão é o que têm, de melhor, sem pensar porquê nem como, nem até quando.

segunda-feira, 2 de julho de 2012


Como quase todas as pessoas a quem o destino inflige um sofrimento violento, inesperado e inexplicável arregacei os braços à vida e congelei o coração, não fosse este desfazer-se como um vidro ou um simulacro feito de açúcar.

Nunca percebi se é o coração que manda na cabeça ou vice-versa e já agora gostava de tentar resolver esta dependência que me alimenta os sonhos e me impede de viver.

          Paixões de adolescência. Começam do nada e acabam em nada porque não valem nada, a não ser enquanto duram, às vezes com a vida mais breve do que uma mosca. Paixões impossíveis, que nos tiram o sono e o apetite, nos põem a contar as estrelas e a escrever poemas pirosos, nos fazem rezar mesmo quando já deixamos de ir à missa desde os doze, nos adoçam o coração e o olhar e enchem  a almofada de água salgada quando as coisas correm mal, ou pior ainda, não correm.
Depois uma pessoa cresce e habitua-se a sofrer. A esperar. A sonhar um bolo gigante a partir de três migalhas. A acreditar no impossível. A desejar o impensável. A querer que aqueles que amamos nos tragam o mundo numa bandeja. Até ao dia em que uma pessoa se cansa, baixa os braços e diz agora basta. Basta de espera, de abnegação, de sonhos, de promessas, de palavras mágicas e inconsequentes. Basta de promessas de amor, de castelos de areia, de adiamentos e hesitações, de ausências e dúvidas. E depois, o mundo vai abaixo. As casas, os prédios, as pontes, tudo se desfaz num estrondo imenso e assustador, que faz quase tanto barulho como um coração a bater com a porta. E como é o nosso coração que está a bater a porta, ainda custa mais.
E sentimo-nos a desmanchar por dentro. Não é a partir, é só a desmanchar, como se nada tivesse forma ou fizesse sentido. Dá vontade de destruir tudo,  de descansar e de sussurrar baixinho solitariamente  para explicar o que se passa. Que o cansaço já está acima do sonho, que o medo está acima da força, que a vontade comanda a vida mas não o amor. Explicar que o tempo há-de trazer nos ventos a indicação de um caminho qualquer para onde tudo possa ir sem ser carregado.
E o amor transforma-se numa luta, num sacrifício, somos mártires da nossa loucura, flagelados pela nossa obstinação e teimosia. E o pior é que quando chegamos ao fim da batalha e chegamos lá acima, não era naquela sala, nem naquela casa, nem era aquela pessoa. 

Andar ao contrário


E  às vezes, sem saberes porquê, tudo se desfaz por entre os dedos e assistes atónita e impotente à perda irrecuperável do teu amor: ele desfaz-se em gritos, insultos e estalos, tudo se perde no ar que fica pesado como chumbo e, mergulhada na prostração do absurdo, percebes que está tudo perdido, que as palavras e os gestos te atraiçoaram para sempre, que preferes morrer a enfrentar a realidade por ti criada, alimentada pelos teus medos e dúvidas, percebes que te fodeste para sempre, que nunca mais poderás recuperar tudo o que construíste, os sonhos estatelaram-se como copos que atiras-te à parede e se desfizeram em mil cacos e de repente vês a tua vida em infinitos fragmentos de vidro iguais a nada, piores que nada, porque o nada é branco e tem um princípio e um sentido mas desaparece quando percebes o que te aconteceu e os vidros ficam ali no chão, à espera de te apanharem num movimento menos prudente e então vais buscar uma vassoura daquelas pequenas que parecem de brincar e uma pá a condizer e tentas apanhar os fragmentos infinitos e varres com cuidado mas totalmente absorta da atividade que executas como um autómato contrariado que de repente toma consciência de que o puseram e executar uma tarefa abaixo da sua expertie, mas mesmo assim varres tudo, sabendo que atrás da porta, ou junto ao rodapé, ou estranhamente a mais de três metros, há um que te vai cortar mesmo o pé e, por mais que não queiras, por mais que fujas, vais mesmo sofrer.
Ou então, depois da batida da porta que te ecoa no cérebro como uma bomba-relógio com a contagem ao contrário, vais mesmo ao armário e retiras de lá todos os copos, um a um atira-los contra a parede, o movimento do teu braço é como o de um atleta das olimpíadas a lançar o dardo, apetece-te furar o mundo em mil buracos, o efeito aplástico do vidro é admiravelmente acompanhado por um ruído estridente, um estertor de uma morte que não consegues realizar, a banda sonora perfeita para a tua alma, ou aquela merda que carregas ao peito e que te alimenta ao mesmo tempo que te mata, toda partida, rebentada, desfeita e mil pedaços de memórias que não queres esquecer mas não podes lembrar e é então, quando o chão de madeira parece um tapete de faquir em fase embrionária que percebes que não és nenhum atleta, que não podes voltar atrás, rebobinar o filme e evitar a conversa, os insultos, os gritos, os gestos desmedidos e absurdos, os maltratos de quem ama de mais e não sabe viver de outra maneira e é então que te perguntas porquê.
E os dias passam, comendo a luz que te dói nos olhos e na alma e vêm as noites, e o tempo continua a perseguir-te com o vazio de um dia igual ao outro e ao outro e tu só queres desistir, dormir, perder o juízo e a lucidez e voltar ao momento exatamente anterior à dor, ao vazio e à tristeza, mas é sempre tarde, é sempre demasiado tarde para voltar atrás.
Só o mundo é que anda ao contrário dos ponteiros do relógio.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

     Um dia alguém amige disse-me  a vida são dois dias, é muito pouco tempo e tu perdes o tempo todo à espera dele. Eu tentava explicar-lhe que o tempo nunca se perde, apenas se gasta melhor ou pior, que a solidão é o luxo sublime daqueles que sabem esperar.

Às vezes gostava de apagar da memória o cheiro da tua carne e o peso do teu peito em cima do meu, esquecer os teus olhos que viajavam pelo meu corpo sempre à procura de mais prazer, das tuas mãos compridas que me agarravam as ancas e o cabelo. Mas a memória do prazer é autónoma e traiçoeira, vem de tudo e do nada e o pior é que só serve para nos distrair da realidade, nos arrancar dos outros para depois nos devolver o coração mutilado pela saudade. Mas quando me lembro de ti, também guardo a lição de uma forma diferente de amor. Foi contigo que aprendi a amar sem pensar se no dia seguinte ainda estarias comigo. Contigo o amor nunca foi um acto de funcionalidade, mas apenas um jogo de sintonia.Talvez seja por isso que ainda te ame tanto.